Sérgio Cruz Lima

O Tarzan tupiniquim

Por Sergio Cruz Lima
Colaborador
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Todo país tem ou teve o seu Tarzan. Hollywood teve o seu, acompanhado da companheira Jane e da macaca Chita. Pois bem, o Brasil também teve o seu. Não um Tarzan de ficção, mas um Tarzan real, verdadeiro. Não acreditam? Leiam, então, a história que lhes conto.

Durante cinco anos lutamos contra o Paraguai. Uma guerra dura e sanguinolenta. E foi na povoação de Nioac, em terras da então Província do Mato Grosso, na divisa entre o Brasil e o Paraguai, que os lanceiros inimigos fizeram 500 prisioneiros. Entre eles encontra-se um garoto brasileiro chamado Inácio Rodrigues, que o povo do local admirava como bom caçador, que realmente ele o era. Quando levado pelo inimigo para o lugar onde serviria como escravo, Inácio fugiu embrenhando-se nas matas próximas ao Pirau, na área de Mato Grosso ocupada pelos paraguaios. Internou-se nas densas florestas e passou a viver como um legítimo selvagem. Viveu bem. Alimentava-se de raízes, frutas e alguma caça conseguida com pequenas armadilhas por ele inventadas. Vez por outra, dirigia-se até a lagoa de Caraungá, em busca de notícias da guerra.

Um dia viu dois soldados paraguaios armados de lanças. Caçava um quati e tão assustado ficou que pulou numa touceira espinhosa. Esqueceu o quati; os lanceiros o levaram. Em função disso, percebeu que o lugar não tinha mais segurança. Mudou-se para as florestas dos Montes Nanduá e Aruari, uma região alta de onde poderia controlar o que se passava em derredor. Logo, avistou gente. Soldados brasileiros ou paraguaios? Não soube dizer. Era melhor ficar onde estava. Mas o tempo foi passando. A barba e os cabelos cresceram até quase a cintura; as roupas, em farrapos, foram substituídas por uma tanga feita de folhas. A guerra acabou. O Brasil colheu a vitória. Inácio não sabia de nada.

Transformado em um legítimo Tarzan, Inácio não mais pensava em retornar à civilização. E que susto ele deu no pobre Jesus Britez que, andando pelo mato, caiu em uma armadilha de Inácio. Pobre do paraguaio! Ficou tão assustado e correu tanto que até parecia treinar para a corrida de São Silvestre, hoje realizada em São Paulo. Ah! Foram tantos sustos pregados por Inácio Rodrigues nos paraguaios! De fato, ele era uma figura assustadora, horripilante, capaz de meter medo em qualquer “valiente” paraguaio. E tanto o povo falou, que o valente Tarzan tupiniquim foi caçado e levado à capital paraguaia. Como se dizia brasileiro, apresentaram-no ao cônsul brasileiro no Paraguai, Antônio Mendes Santos. O cônsul gostou dele e deu-lhe uma cédula de identidade, datada de 12 de outubro de 1872. A guerra findara dois anos antes, em 1870

Inácio cortou os cabelos, fez a barba, vestiu-se como europeu. Ao regressar à sociedade foi útil à coletividade. Foi agricultor, caçador, guia e, principalmente, curandeiro, considerando-se sua “especialização” em ervas. E de Inácio, o brasileiro, ele passou a ser conhecido como o “médico” brasileiro. É o senhor Vitoriano Aranibulo que escreve sobre o nosso Tarzan, dizendo que ele passou a viver no Paraguai. Não voltou mais para o Brasil e lá casou-se duas vezes - com Salvadora Gamarra e Marte Duarte. “Em 1931”, escreve Vitoriano, “Inácio estava vivo, forte, com 81 anos de idade. Era estimado e respeitado. Falava um português arrevesado de guarani e castelhano”.

Não é curiosa a história do nosso Tarzan mato-grossense? Pois ela aí está. É só o cinema interessar-se...​

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